Dando uma parada para tentar encher o pulmão naquele ar rarefeito,
a jovem Kíria envergou as costas para trás, depois jogou o corpo para frente,
apoiando as mãos logo acima dos joelhos, em pernas longas que pareciam querer
se dobrar. Os cabelos pretos lhe caíram na face e ela os manteve assim,
enquanto procurava alguns minutos de sensatez.
_Você está indo bem... Se conseguirmos
manter esse ritmo, chegaremos antes da noite cair... – disse a grande mulher de
olhos enviesados. Sua nova e única amiga, Lince, era uma indígena a quem estava
confiando plenamente ao se embrenhar nessas montanhas gigantescas e desertas em
busca de uma lenda.
_Sim... Vamos! – Kíria tirou os cabelos
do rosto e endireitou o corpo. Sentia uma ânsia incontrolável em chegar o mais
rápido possível.
Mas a caminhada era dura. O sol, já
quase a se pôr, transformava suas sombras em criaturas monstruosas. Pareciam se misturar com o formato das
montanhas. Os passos eram muitos, longos, pesados.
O tom do céu mudou. Do azul passou ao
vermelho e ao roxo, onde uma estrela apareceu. Sua beleza e brilho atraíram o
olhar de Kíria, que se deixou ficar contemplando aquela maravilha celeste. Sem
dúvida, seria um sinal.
_Abaixe os olhos da estrela, Kíria...
Estamos diante de nossa morada. Morada das filhas da Deusa Guerreira.
Engolindo em seco, Kíria obedeceu. E
então seus olhos cinzentos demoraram a acreditar no que via. Em meio àquelas
montanhas imponentes e ameaçadoras, havia um minúsculo altiplano arredondado, com
uma casa redonda ao centro, rodeada por casas menores, mas também redondas,
formando um círculo... Uma aldeia!
Não soube precisar quanto tempo ficara ali, nem o que se
passara na sua cabeça naquele momento. Sentiu lágrimas lhe aflorarem os olhos e
fechou-os.
_Vamos, Kíria... - Lince parou de falar
quando percebeu que uma presença sorrateira se aproximava. Certamente seria
alguém da vigília. Mas, antes que concluísse seu pensamento e avisasse Kíria,
um vulto de cabelos vermelhos pareceu fazer um rodopio no ar. Diante delas,
caía em pé, depois de um salto mortal, uma belíssima jovem de cabelos ruivos e
roupas negras.
_Enfim retornas, conselheira Lince... – A
ruiva, recém chegada de forma inusitada, pousou tranquilamente as mãos na
cintura e passou seus olhos verdes de Lince para Kíria. Encarou-a. Sustentou-a
com o olhar e depois invadiu a imensidão cinza. – Quem é?
_Ela é Kíria... Tenho fortes indícios
para acreditar que se trata de uma de nós. Falou Lince, perplexa com o olhar terrível
de Diouxie.
Kíria sustentou o olhar, no entanto
sentiu-se cambalear. Como a provar algo, respirou fundo e manteve-se firme, também
invadindo o olhar que lhe desafiava.
_Kíria? Você é bela, apesar de estar
fraca e abatida... – Diouxie deu um passo em direção a Kíria, que, como
esperava, não recuou. Foi com ar muito sério que perguntou: - Já matou?
_Já... – Kíria respondeu com
tranquilidade. Quem seria essa garota petulante que atravessava seu caminho.
Ela estava cansada.
_Princesa Diouxie, Kíria precisa de
cuidados...
Kíria acabava de ter sua resposta. A
princesa dos cabelos vermelhos virou-se para Lince e, com o olhar fulminante,
avisou:
_Não me chame de princesa, Lince... Sou
uma guerreira... A maior que essa Nação haverá de ver... – sorriu e voltou a
olhar para Kíria: - Depois conversaremos... – Antes de dar as costas às duas, ainda
pediu à Lince: - Leve-a para minha mãe, Lince...
E Kíria foi caminhando em direção ao
centro daquela aldeia. Alguns olhares paravam nelas. Mulheres, garotas, velhas.
Tudo muito diferente. E naquele momento iria ver a rainha! Precisava saber
sobre seu destino. Sua vida estaria nas mãos da autoridade máxima daquele lugar
sagrado.